FIlhos
Sirley Arthur
Fui mãe aos 17 anos. Hoje, tenho uma família feliz

Depoimento “Eu,mãe”: Sirley Arthur, 35 anos, empresária, mãe de um rapaz de 18 anos e uma menina de 12.

Quando eu e meu então namorado fomos contar aos meus pais que eu estava grávida, uma coisa que o meu pai me disse me marcou pra sempre. Tanto ele quanto a minha mãe perguntaram como nós deixamos isso acontecer, o que a gente ia fazer. Mas ele me disse que na vida as portas nem sempre são largas.

Que antes se tivesse uma frestinha eu conseguiria passar, mas a partir daquele momento eu teria que escancará-las para conseguir passar não mais sozinha, mas com o meu filho e meu companheiro. O esforço teria que ser muito maior.

As portas se abririam com mais dificuldade. Mas nunca seria impossível fazer isso acontecer. Como resposta ao meu pai, eu disse que eu enfrentaria o que tivesse que enfrentar e que meu filho estaria sempre comigo.

Eu tinha 16 anos quando eu engravidei. E o que eu pensei era que se eu não sabia cuidar nem de mim, como iria cuidar de outra pessoa?

Eu estava no fim do segundo colegial, naquela fase de pensar no vestibular, no que ia querer da vida, decidir uma profissão. Eu já tinha decidido que ia fazer Direito. Meu pai e minha mãe sempre fizeram tudo por mim e pelo meu irmão e minha obrigação era estudar. E eu tinha as minhas atividades físicas. A quadra de basquete era uma paixão minha. Era onde eu passava grande parte do meu tempo livre. Eu estava envolvida em todas os eventos esportivos e culturais da minha escola, um colégio de freiras.

Antes de começar o terceiro ano eu descobri que estava grávida. Uma adolescente acha que nunca corre riscos.

Conversei bastante com o meu namorado, perguntamos o que a gente ia fazer. Ele disse que ia me apoiar no que eu decidisse, e eu disse que iria ter a criança. Tirar estava fora de cogitação.

O filho era meu e eu ia cuidar dele.

Meu pai chegou a dizer pro meu namorado que se ele quisesse assumir ele assumia, mas se ele quisesse ele podia sumir também.

Ele não sumiu. Ele ficou comigo.

Ele queria casar e eu falava pra ele que eu não sabia casar.

Mas a gente aprendeu junto. A gente aprendeu a cuidar do nosso filho juntos.

Antes de completar 17 anos eu estava casando. Eu fiz aniversário em maio e em julho o meu filho nasceu. Eu estava no meio do último ano do colégio. Eu não parei de estudar, eu peguei licença maternidade, fazia os trabalhos de escola e as provas em casa. Terminou o ano, eu me formei e fui a oradora da turma. Eu fui buscar o diploma com o meu filho nos braços.

Entre a descoberta da gravidez e o nascimento do meu filho as reações foram as mais diferentes possíveis.

Foi difícil pro meu pai aceitar, ele confiava demais em mim e era como se eu tivesse o traído. Eu sempre cumpri todas as minhas responsabilidades, então ele não aceitou muito bem. Aceitou o neto, mas demorou pra aceitar a situação. E minha mãe foi uma super mãe. Toda mãe precisa de uma mãe, de alguém que cuide dela. Ela foi a minha companheira.

Na escola foi um choque. Quando eu cheguei pro último ano eu estava com uma aliança de noivado na mão e os professores perguntavam se eu estava grávida. Mas no fim das contas a escola aceitou bem. Alguns amigos se afastaram, os pais dos amigos, principalmente das amigas, passaram a olhar diferente.

Achavam que eu poderia incentivar suas filhas a fazer alguma coisa e na verdade eu não queria incentivar ninguém a nada!

Mas eu tinha um motivo além de mim pra ser forte.

Não estou fazendo apologia nenhuma a ser mãe adolescente, não acho que isso seja algo saudável. Eu pulei uma etapa da minha vida. Eu tive que amadurecer rápido demais. Eu vejo fotos do meu casamento, do nascimento do meu filho e vejo que eu era uma criança. Uma criança cuidando de outra.

Eu tive que crescer à força. Eu deixei de fazer muita coisa. De descobrir muita coisa. As pessoas viram adultas e curtem aquela fase de não precisar mais dar satisfação pra mãe e pro pai. Ir numa festa, numa viagem. Eu não tive nada disso.

Filho é uma coisa preocupante. O caminho não foi fácil, mas depois eu me perguntava que coisa era aquela, que amor daquele tamanho era aquele. Eu não sabia que podia existir uma coisa tão grandiosa. Eu poderia fazer qualquer coisa por ele.

Eu sonhava em fazer faculdade em outra cidade, em uma grande universidade. Mas a única chance que eu tinha era fazer uma faculdade na cidade ao lado da minha. Estudei Direito como eu queria. No começo foi muito difícil, muita cobrança.

A vida mudou muito. Quando você não tem filho você senta e estuda. Você pode ter horários, se dedicar àquilo. Com filho foi difícil. Eu tinha que estudar, cuidar do meu filho, amamentar, eu comecei a trabalhar um pouco em casa. Meu marido também era novo, e embora no começo a gente morasse com os meus pais, do mesmo jeito que eu não tinha planejado ele também não.

Eu chegava a chorar porque eu não conseguia fazer as coisas. O primeiro dia em que eu deixei meu filho na escola foi uma luta imensa. Ele ainda era bebê, ia chorando pra escola. Eu achava que poderiam estar maltratando-o, eu me sentia a pior pessoa do mundo. Como se fosse um crime que eu estava cometendo. Mas eu não tinha escolha: eu precisava trabalhar, continuar estudando. No começo eu fazia faculdade a noite e trabalhava em casa durante o dia. À noite meu marido chegava e ficava cuidando do meu filho com a minha mãe – que foi minha mãe, mãe do meu marido, mãe do meu filho. Ela me ajudou muito.

Depois eu passei a estudar de manhã e meu filho também ia pra escola nesse horário. Chorando, reclamando, ficando doente. Com o tempo, eu fui ficando mais em paz, entendi que era necessário. Eu não podia cria-lo numa redoma. As coisas foram ficando um pouco mais tranquilas.

A gente foi batalhando, foi enfrentando. Foi vencendo.

Era muita coisa pra ser aprendida ao mesmo tempo. Aprender a ser mãe, a ser esposa. O namoro é tão fácil, confortável. Quando você briga você passa uns dias sem se ver. Quando casa, tem que aprender a resolver. Tem que deitar e dormir junto. A gente foi aprendendo, sobrevivendo, passando por todas as crises conjugais e maternais.

E uma coisa que eu sempre soube era que, mesmo tendo meu primeiro filho do jeito que foi, eu queria outro bebê. Eu queria uma filha. Eu desejava um casal de filhos.

Se o primeiro não foi planejado, a segunda foi. Mas eu também não tinha condições. Eu queria muito, e quando eu estava no final da faculdade eu falei pro meu marido sobre as condições em que a gente estava vivendo. Ele tinha aberto uma empresa própria e a gente estava lutando pra pagar as contas.

- Se a gente for esperar a melhor hora, a casa quitada, carro na garagem e dinheiro na poupança, a gente não vai ter outro filho.

Dez dias depois eu descobri que eu estava grávida.

Quase seis anos depois do nascimento do meu primeiro filho, nasceu a minha caçula. Na formatura do colegial meu filho estava no meu colo. Na formatura da faculdade minha filha estava na minha barriga, quase nascendo.

A segunda gravidez foi planejada com o coração porque se fosse com a cabeça não seria o melhor momento. Mas a gente era um casal que estava junto há seis anos e queria ter um novo filho.

Os seis primeiros anos do meu filho foram também os meus anos de faculdade, meus primeiros anos de casamento e do início da nossa empresa. Foi muita coisa nova. Dificuldades financeiras. Mas a gente enfrentou tudo junto. Depois desses seis anos nós nos fortalecemos como família. Até então a gente tinha o suporte das nossas famílias, e a partir dali a gente foi se virar sozinho. Foi bom, foi uma nova etapa.

Então eu digo que em 2004, quando minha filha nasceu, começou um novo ciclo. Meu filho estava mais independente. A gente trabalhou muito, construímos nossa casa. Descobri que eu não queria mais ser advogada. Eu não concordava com muita coisa que eu via, aquilo não era pra mim. Fui trabalhar e trabalhei mais ainda.

Quando minha filha tinha uma semana eu voltei a trabalhar de casa.

Hoje a gente olhando parece tudo mais fácil. Meu filho tem 18 anos. E depois de tudo você olha e acha que tudo valeu a pena. Tudo teve seus sabores e dessabores. Foram anos de luta, mas de glória também.

Eu estou terminando a minha segunda faculdade. Estudo administração e não pretendo parar por aí. O incentivo de fazer uma segunda faculdade foi do meu filho. Ele disse que ajudaria, que ficaria com a irmã.

E ele ajuda mesmo. Eu não tenho do que reclamar dele.

Óbvio que a gente briga como mãe e filho, eu sou exigente até demais, pego no pé, mas eu sempre digo que a mordida da onça não mata o filhote. E que até quando eu estiver velha eu vou continuar cuidando deles, pegando no pé. A minha função é cuidar deles, ajudar a torna-los cidadãos. Homens e mulheres honestos, de caráter e de respeito. Eu quero que eles sejam pessoas de caráter. Que sejam queridos pelas pessoas.

Meu filho está na faculdade, aprendendo a trilhar os próprios caminhos. Minha filha também é muito responsável e eu só posso agradecer pelos filhos que eu tenho. Eles são o que eu tenho e fiz de melhor.

Meu casamento tem sido ótimo. Temos altos e baixos. Nós somos uma família. Uma família de verdade, onde todo mundo se ajuda, se critica e se ama. Todo mundo se respeita.

A maioria das minhas amigas que eu tinha aos 17 anos e que eu ainda mantenho o contato estão casando agora, tendo ou pensando em ter seus filhos agora. E os meus filhos estão praticamente criados. Meu filho já é um homem, já responde pelos próprios atos.

A gente senta pra ter uma refeição e meu filho mostra as opiniões políticas, ideológicas. Tem posições, aceita umas coisas e não aceita outras. Hoje ele trabalha com a gente. É uma força nova. A gente tem diálogo, e isso é muito gostoso.

Eu com 35 anos, meu marido com 40, meu filho com 18 e minha filha com 12. Cada um com uma opinião. E eles me ensinam a pensar de um jeito diferente.

Meu caminho foi difícil, mas também foi bom e, principalmente: não foi impossível. Com amor e dedicação a gente supera qualquer coisa.