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Eu sei que eu posso chegar muito além

Depoimento Eu,mãe: Ana Emília Jenkins, 31 anos, gerente de marketing digital, mãe de um bebê de dez meses

Em um mês acaba a minha licença maternidade. Vou voltar a trabalhar, voltar a pensar na minha carreira que sempre foi tão importante pra mim. Vou tentar conseguir um novo emprego, ao menos um degrau acima de onde eu estou hoje e que valorize meus estudos na área de administração e marketing.

Eu sei que eu posso chegar muito além.

Tudo isso significaria mais desafios. E mais tempo. E isso me atordoa só de pensar em trabalhar até mais tarde com o meu filho em casa me esperando. Ao mesmo tempo que eu gosto da minha carreira eu não pensaria duas vezes eu ficar com o meu filho se eu tivesse essa oportunidade.

Eu me mudei pra Inglaterra em 2004. Eu tinha 19 anos e uma vontade absurda de estudar. Não deu certo no Brasil: eu passei na faculdade que eu queria mas não tive dinheiro pra fazer.

Como eu conhecia pessoas que viviam em Londres, resolvi arriscar e viajar pra cá. A ideia inicial era estudar e trabalhar durante um ano. Meus pais não poderiam me ajudar financeiramente, então eu precisava me manter e conseguir um diploma de inglês intermediário. Mas acabei conseguindo um de inglês avançado e, depois de trabalhar em pubs e no McDonalds eu consegui um trabalho bem melhor em um restaurante.

Então, no final de um ano, eu pensei que se eu teria que ralar quando eu voltasse para o Brasil eu poderia continuar ralando em Londres. E na viagem que deveria ser a de volta definitiva acabou se transformando em uma viagem de férias.

E quando estava trabalhando no restaurante eu me dei conta que eu poderia conseguir algo ainda melhor. Por que não? Eu continuava estudando e foi assim que depois de algum tempo eu consegui um emprego como secretária em um consulado. Consegui um visto de trabalho – até então era um visto de estudante.

Quando eu estava trabalhando no consulado eu conheci o meu futuro marido. Ele é inglês e pediu a minha mão em casamento na primeira viagem que fizemos juntos para o Brasil.

Meu casamento foi lindo. Foi no quintal da casa dos meus sogros e minha mãe, minha irmã e uma prima estavam aqui. E daquele dia em diante todo mundo começou a perguntar quando viriam os filhos. Eu queria, mas não desesperadamente. O que eu queria mesmo era estudar.

Então pouco depois de casar, quando eu já tinha residência permanente – o que faz com que o preço diminua, eu entrei na faculdade.

Mas era à distância. É um conceito novo no Brasil, mas existe há mais de 30 anos na Inglaterra. Eu escolhi a área de administração. Era flexível mas bem trabalhoso. Eles colocam como média que você estude por 18 horas por semana, mas já cheguei a estudar 80 horas.

Foram sete anos estudando e trabalhando. Neste período eu mudei de emprego mais uma vez, para uma grande empresa multinacional. Eu entrei como assistente executiva e, por conta do que eu aprendi na faculdade eu mudei de área e agora trabalho como gerente de marketing digital.

Quando eu comecei a estudar um dos motivos para escolher fazer isso à distância foi porque se caso eu engravidasse eu poderia parar de estudar e voltar depois, mas percebi que quem para não volta. É difícil. Eu sabia que parar pra ter um filho poderia botar tudo a perder. E outra: eu vivia em um universo de muito stress. A minha vida social sofreu nessa época. Fiquei três anos sem ir pro Brasil.

Cheguei a ficar até quatro noites sem dormir batendo a cabeça na parede às três horas da manhã porque eu tinha que trabalhar no dia seguinte e ainda não tinha terminado o trabalho que eu tinha que entregar ontem.

Eu sempre tive uma visão romântica da gravidez. Eu queria ficar grávida quando eu estivesse bem em relação a minha carreira e em um momento não muito maluco. Eu queria poder planejar, curtir. É claro que não existe uma época perfeita na vida, mas estudando e trabalhando e dando tudo de mim na carreira não dava. Eu trabalhei bastante pela minha carreira e virei referência na minha empresa. Não tinha espaço pra uma gravidez.

Quando eu terminei a faculdade, era hora de olhar pra minha carreira. Eu me vi em um nível muito acima do que eu era paga na minha empresa. Então eu comecei a fazer entrevistas em outros lugares e recebia muitas propostas. Falei na minha empresa que ou eu recebia uma promoção ou eu ia embora.

Só que foi aí que eu descobri que eu estava grávida. Dois dias depois da minha formatura.

Como eu poderia começar um novo trabalho? Tudo aquilo que eu trabalhei por sete anos – esperar pra ter uma gravidez tranquila – seria substituída por uma rotina louca em que todo mundo esperaria muito de mim. Não era isso que eu quis a minha vida inteira.

Eu tentei engravidar por oito meses antes de conseguir. Eu comecei a tentar no meio do último ano de faculdade. Eu sabia que não seria fácil porque eu tenho ovário policístico. Quando a faculdade acabou eu fiz um tratamento, e ao mesmo tempo eu comecei a procurar emprego. O tratamento deu tão certo que dois meses depois do início veio o resultado.

Eu fiquei muito feliz. Não era a época certa no trabalho, mas ao mesmo tempo eu sei que se eu tivesse esperado talvez eu nunca tivesse ficado grávida, e se eu tivesse, seria outro bebê. Não seria o meu bebê!

Eu fiquei grávida na hora certa.

Os únicos pontos de stress na gravidez foram relacionados ao meu trabalho. Mas eu respirava fundo e falava – quer saber? Não vou me estressar, e estressar o bebê que não tem nada a ver com isso. Os primeiros três meses foram complicados, claro, quando eu ia trabalhar e fazia entrevistas de emprego desejando intensamente estar em nenhum outro lugar além da minha casa, de joelhos, abraçando o vaso sanitário.

Foi uma surpresa saber que era um menino. No mesmo dia pensamos no nome dele, apesar de demorar mais vários meses pra decidir que seria esse. Quando eu estava grávida de cinco meses nós fomos ao Brasil e foi aí que aconteceu uma coisa maravilhosa: meus pais, que se divorciaram quando eu era pequena e não se falavam direito, voltaram a se falar por conta do neto em comum que estava por vir. Isso foi muito especial pra mim.

Eu nunca tive muito contato com bebês e tinha medo de não dar conta. Mesmo assim, decidi que meu bebê nasceria em Londres e que não haveria ninguém da minha família por perto, apesar da minha mãe e da minha irmã terem se oferecido para vir pra cá. Eu precisava confiar em mim mesma, acreditar que eu seria capaz.

Eu não me arrependendo disso, apesar de ter sentido muita falta da minha família, mas me arrependo por achar que eu e meu marido daríamos conta!

Meu trabalho de parto durou 24 horas. E, ao contrário do que acontece no Brasil, que a mulher é internada assim que as contrações começam, eu fui mandada de volta pra casa três vezes! No final, os batimentos do bebê estavam diminuindo e eu tive que fazer uma episiotomia. Mas meu filho nasceu ótimo, deu tudo certo.

Os pais e o irmão do meu marido foram visitar a gente no hospital e quando eles foram embora ele decidiu ir junto pra aproveitar a carona.

E assim minha primeira noite como mãe foi completamente sozinha. Por aqui o bebê fica o tempo todo com a mãe. Por causa do meu corte eu precisava tomar banho quatro vezes ao dia, e como eu ia fazer isso e deixar meu bebê sozinho? Quando meu bebê fez o primeiro cocô eu pedi ajuda pra enfermeira e ela me disse o que usar para limpá-lo.

- Eu não quero conselho, eu quero ajuda!

Não adiantou. Eu tive que me virar sozinha. Eu não dormi já na minha primeira noite como mãe.

Eu achava que meu marido seria como o meu pai foi. Meu pai acordava à noite, cuidava de mim e só me entregava pra minha mãe pra eu mamar. E como meu marido sempre foi participativo e muito bom com crianças, eu achei que ele seria como meu pai foi.

Naquela noite e eu pedi que ele dormisse e arrumasse a casa, já que ele não ficaria comigo no hospital. Mas ele não dormiu e não arrumou a casa porque ele postou a foto do bebê no Facebook e adorou a repercussão. Ficou tão animado que não dormiu e só foi descansar de manhã.

Ao mesmo tempo eu me decepcionei com a forma com que o mundo virou de ponta cabeça. Eu não lidei bem com isso. E eu e meu marido começamos a ter desavenças que nós não tivemos antes de ele nascer. Coisas bobas. Eu achei que nós conseguiríamos lidar com o bebê melhor do que nós lidamos. Eu tinha muita insegurança, e o fato de que não ter ninguém para perguntar as coisas, foi meio complicado. O que me ajudou foi um grupo no Whatsapp com várias primas que me ajudavam. Era uma forma da família estar próxima.

E daí eu me senti sozinha, num país diferente, sem minha família, à mercê do meu marido. Ele queria muito que as pessoas viessem nos visitar e eu não gosto de pessoas em volta do bebê recém-nascido. Eu queria aquele momento pra mim e pro meu filho. Eu queria dormir, queria conhece-lo. Além de cuidar do bebê que queria mamar toda hora, eu tinha que receber visita, fazer chá. Eu achava isso muito desgastante,

Mas meu marido, ao mesmo tempo que demorou um pouco para se conectar, me ajudou muito para que eu pudesse cuidar do bebê. Ele cuidava da casa, levava comida pra mim. Hoje ele entende o erro que foi me deixar sozinha na maternidade. E quando passaram as seis primeiras semanas a gente voltou a ser marido e mulher, a nossa relação melhorou muito. O bebê começou a sorrir, a interagir com o pai. Antes ele não sentia aquela conexão que eu sempre senti.

Quando meu filho estava com quatro meses, nós fomos pro Brasil. Passamos quatro meses na casa da minha mãe. Foi divertido e um alívio ter minha família por perto, mas meu marido não fala português e apesar de não admitir, acho que se sentia um peixe fora d’água. Ele ficou pra baixo algumas vezes.

Aqui na Inglaterra as coisas são bem diferentes. A criança nasce e parece que a mãe já quer retomar a vida que tinha antes o mais rápido possível. Não que não ame, mas é muito estranho. Elas dão leite artificial rápido, cedem na primeira dor ao amamentar. No Reino Unido a maioria das mulheres param de amamentar antes de seis semanas. Até hoje as pessoas não acreditam que meu bebê de dez meses ainda é amamentado.

Meu marido é formado em geografia mas trabalhou por anos em instituições financeiras. Mas desde a crise de 2008 as coisas foram ficando mais difíceis, e depois de um tempo desempregado ele começou a cuidar do nosso jardim e acabou virando jardineiro. Ele cuida dos jardins da vizinhança toda.

E é por isso que daqui a um mês, quando eu voltar a trabalhar, ele vai ficar com o nosso bebê.

Meu filho teve sorte de ficar com o pai e a mãe durante todo o primeiro ano de vida. E ao mesmo tempo que eu quero voltar a trabalhar, eu fico triste em pensar que vou ficar longe do meu filho.

Eu sinto que a minha empresa acha que eu “vacilei” por ter engravidado. Mas lá existe uma boa política de flexibilidade. Quando eu voltar, no começo eu só vou precisar ir ao escritório duas vezes por semana e vou fazer home office nos outros dias.

Por sete anos a minha vida foi carreira e estudo, mas agora existe algo muito maior e muito mais importante: a minha família.